quinta-feira, janeiro 29, 2009

Such a desired trip

É inverno no inferno, cada uma das muitas almas do purgatório se humilha em troca de um trapo velho para cubrir-se; cada um dos anjos caídos diverte-se jogando paciência, Cerberus, já impaciente, rosna desesperado por um afago; Caronte, irremediavelmente entediado, aposta corrida com seu reflexo no Aqueronte; e Lúcifel refestela-se em seu harem, cheio de si, o único que pode denominar-se único em seu reino.

Caronte é então chamado para recolher outra alma, uma única alma. Um rufião, um bardo, um bobo ou apenas um palhaço. Eles fazem a travessia normalmente, Caronte procurando saber o que o havia despachado para o inferno, e o palhaço não proferia palavra; Cerberus encolhe-se à passagem do estranho rufião, como que amedrontado por seu silêncio; todos os anjos caídos distrairam-se com a roupagem do bobo alegre; e as almas condenadas ao purgatório, uma por uma, viram naquele fascinante bardo um possível, porém breve, momento de paz em meio ao seu sofrimento.

Desceu ele da minúscula barca e, sem ao menos tomar conhecimento dos guardas, prostou-se à frente dos portões de Lúcifel, chamando seu nome em um tom de voz que transparecia ironia, desprezo, e ao mesmo tempo inveja.

Vem então Belial, fiel servo de Lúcifel, ter com o bardo:

-Diga logo o que quer, mortal.
-Mortal? - repete o palhaço - Creio que haja aqui algum equívoco, não sou um reles mortal, apesar de não ser, também, imortal. Vim convidar Lúcifel para uma apresentação de seu reino, já que o mesmo não logrou levantar-se de seu trono para fazê-la espontaneamente. - Diz, ainda mais alto e debochado.
-E o que, exatamente, o faz pensar que ele virá recebê-lo? - Pergunta Belial, já intrigado pelo cada vez mais nobre rufião.
-Bom, infelizmente não posso ameaçar tocar fogo no inferno. - Diz, meio desapontado - Mas posso libertar todas aquelas pobres almas, ou dizimar seu exército caído, ou ainda jogar Caronte e Cerberus no Aqueronte. E você, Belial, que me olha agora nos olhos, sabe bem que eu posso, não sabe? Vá logo e chama teu mestre. - completou, num tom perigosamente calmo.

Sem dizer mais nada, Belial retirou-se, embaraçado e envergonhado, para o harem em que repousava Lúcifel.

Pego de surpresa, no meio de uma orgia particular, Lúcifel irrita-se profundamente e vai, finalmente, falar com o seu novo bobo, mas, ao focar seu semblante, o brilho malicioso que sempre habitara os olhos de Lúcifel apagou-se por alguns instantes, como que sugado pelo brilho calmo e displicente daquela coisa. Ele, Lúcifel, logo percebeu que não tratava-se realmente de um mortal, viu ali algo que poderia equiparar-se a ele, algo maligno vazava daqueles olhos, tão calmos. Recompondo-se, com certo esforço, Lúcifel perguntou:

-Qual teu nome? E porquê requisita tanto minha presença?
-Sou Joker, e quero somente uma companhia digna e forte o suficiente para algumas doses! - respondeu Joker, com aquele toque de debochado desafio.
-Pois, se é essa a intenção, aguarde só um momento enquanto me troco. E, então, poderemos refazer todo o percurso, finalizando em minha suíte.

Enquanto trocava-se, Lúcifel procurava atinar o que era, e o que queria, aquele ser que berrava à sua porta, chamando-o de Noivinha Atrasada. Como poderia viver em paz, sabendo que há alguem em seu reino capaz de torná-lo comum? Já vestido, decidiu-se pela diplomacia, procuraria ter Joker como seu aliado, até descobrir ao menos um ponto fraco.

Todo o passeio foi permeado por ácidos comentários de Joker, sempre seguidos de respostas exageradamente educadas de Lúcifel. Retornaram, então à mansão de Lúcifel, passaram por muitas salas recheadas de cinzas de bíblias, outras dotadas de mesas e mais mesas de sinuca; vislumbraram, através de uma janela, o amplo quintal carbonizado e o horizonte negro por detrás dele, mais algumas portas exalando o cheiro do sexo inspirado por Belial, e, finalmente uma gigantesca escada, coberta por um tapete de veludo vermelho, símbolo do ego de Lúcifel, agora razoavelmente ferido.

-Por favor! - Diz o anfitrião, indicando o aposento.

Foi ali que revelou-se finalmente Joker. Ali compôs e cantou como um bardo, provocou Lúcifel como um legítimo rufião, fez mágicas e trapalhadas como um experiente palhaço, cumprindo bem o papel de bobo.

Ficaram, então, ambos sentados no balcão do bar particular de Lúcifel, onde Belial fazia as vezes de Barman, saboreando todos os drinks, contando todas as piadas, esquadrinhando-se e medindo-se mutuamente.

Ao que tudo indica, eles permanecem lá até hoje, e todos os que presenciaram parte dessa jornada temem pelo bem-estar de Lúcifel, tamanho era o brilho astuto e perigosamente calmo de Joker.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Once More

Quem sabe de onde virá, o próximo ataque?
Ou o próximo plano, previamente calculado?
Talvez os ventos nos possam dizer
Ou talvez a gota de cada bebida marcada pela melancolia
Embriagados de razão, sóbrios de amor
Recompondo-se de cada mordida atroz com vivacidade e soberania
Deixando para trás trincheiras que nós mesmos cavamos
Pré conceitos que nós mesmos superamos
Cada lágrima que vertemos, salgadas
Reafirmando cada abraço, acolhedores
Quem poderá dizer quando nos reergueremos?
Ou quando nos deixamos, verdadeiramente, cair?
Talvez nossos restos possam contar nossa história
Que a cada segundo tecemos com grande companheirismo
Quem sabe pura seda, ou, talvez, trapo velho
Quem sabe dividindo copos, ou, talvez, corpos
Espalhando, impiedosamente, a louca vontade de viver
De morrer..
Talvez estejamos já, mortos
Ou vivos, num mundo morto para nossos anseios
Para essa ânsia de liberdade
Para essa gana por plenitude
Esse sofrido despir de máscaras
Contrapondo a facilidade em capturá-las
Uma bela coleção: rostos paralisados e sem visão
Esperando o roteiro a ser imposto por nós, o toque de alma
Atuamos então, sangrando a cada ato
Embevecendo-nos com o aplauso da platéia, no fim
Estancando enfim nossos cortes, ao baixar das cortinas

By: Bruna Vaudeville & Leonhard Samsa